1986 – Kleiton & Kledir
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Kleiton & Kledir – 1986

1986. Rio de Janeiro. A mensagem que segue a este aviso é o conteúdo do quinto disco de KLEITON & KLEDIR, uma dupla de irmãos que embarcou na Lagoa dos Patos, desembocou no Oceano Atlântico e ganhou o Brasil. Noutras palavras: dispensa apresentações.
KLEITON & KLEDIR já cantaram a terra em que nasceram, as paixões que viveram e as dificuldades e prazeres de se trabalhar em dupla. Agora, depois de muitas milhas cruzadas, chegam ao ponto mais delicado da travessia: um disco de dois que tem uma cara só, uma personalidade própria.
Embora possa destoar o conceito – pois trata-se de duas personalidades artísticas – este é um disco de autor. É uma obra que se completa a cada faixa. Mais do que a soma de dois artistas, é o produto da relação entre eles. O disco nasceu no momento em que parecia óbvio que cada um deveria seguir seu caminho solo.
KLEITON & KLEDIR sentaram para discutir a separação e a conclusão desta conversa rendeu dez faixas, duas vinhetas, capa, contra-capa e encarte. Rendeu também uma imensa satisfação. Estavam fazendo um disco no momento certo, com as condições de produção perfeitas.
E isso aí mesmo: KLEITON & KLEDIR chegam ao quinto Lp com um disco de proposta, na forma e no conteúdo. Este é o toque de vitalidade da obra: nos arranjos, na confecção da capa ou nos cuidados com a prensagem, está, invariavelmente, a assinatura dos autores.
Nascidos na entressafra entre os medalhões da MPB e a nova geração de roqueiros, KLEITON, 34 anos, e KLEDIR, 33, não têm qualquer espécie de compromisso com estilos ou preconceitos estéticos. Por isso podem beber da água de todas as fontes. Com a nova leva de roqueiros que assolou o Brasil, concordam – por exemplo -que a melhor receita para a integridade de um trabalho musical é uma banda coesa que cresce e cria em conjunto. Daí a formação do núcleo base do disco: André Gomes, Carlos Martau, Alexandre Fonseca e Luciano Alves, que já atuavam juntos há um ano e meio. O resultado une a força e o tesão das gravações ao vivo com a clareza e a técnica obtidas em estúdio. Junto neste trabalho com KLEITON & KLEDIR está o irmão Vitor Ramil, ele assina a direção musicale empresta sua voz a duas músicas, das quais é o autor.
O disco abre e fecha em alto-mar. As duas mensagens telegráficas que delimitam esta trajetória fazem parte dos códigos internacionais de navegação. A primeira é a conhecidíssima “CQ” – que significa ATENÇÃO TODAS AS ESTAÇÕES QUE EU VOU MANDAR UMA MENSAGEM. Já o sinal de encerramento é “73”, tradicional mensagem de despedida das transmissões telegráficas. Quer dizer ABRAÇOS. O texto da mensagem que percorre estas duas pontas de sinais é o que,sintetizamos a seguir:
DIARIO DE BORDO (SOS) – são as revelações do caderno de apontamentos de um náufrago por opção. Letra de KLEDIR e melodia de KLEITON. Este último assina também o “arranjo instrumentinos” – termo que designa um arranjo para oboé, fagote e clarinete que faz contraponto à instrumentação eletrônica. Foi este ritmo e este tema que sugeriu a utilização do código morse no disco.
MÓBILE – é uma peça construída com pedaços do material do disco e amarradas entre si ao sabor da intuição e do momento.
TÔ A FIM DE FICAR CONTIGO – num momento em que a maioria das pessoas preferem ridicularizar o casamento, KLEITON & KLEDIR fazem a sua apologia. O grande barato está no desafio de se construir uma relação saudável e bonita, que se opõe à bobagem de colecionar casos que não deram certo. Ou, como diz a letra, “se a gente arrasou do jeito que era, imagina uma oitava acima..:”
1986 – ano de Chernobyl, da Challenger, da África do Sul. Mas é também o Ano Internacional da Paz, instituído pela ONU. Neste ano se realiza o Segundo Kumbha-Mela na América – peregrinação pacifista que acontece de 12 em 12 anos, rumo a um ponto sagrado da cordilheira dos Andes. Afinal, “se não há nada de novo entre o Leste e o Oeste”, tá na hora de “inventar um final pra esta História”. Para falar destes tempos conturbados, o mínimo que se pode pedir é um pouco de esperança: “achar que o mundo pode dar pé”.
CQD (como queríamos demonstrar) – o título é a sigla utilizada na demonstração de um teorema. Parte-se de uma proposição e quando chega-se à comprovação dela, escreve-se CQD. (KLEITON & KLEDIR agradecem à Escola de Engenharia do RS, que, além dos dois diplomas, concedeu a inspiração para esta letra). A idéia geral lembra o dito popular que previne: “entre o gênio e o louco, a diferença é um pouco”. Para os autores, a brincadeira vale como canção pré-vestibular
LARANJAL – é a bucólica lembrança da vida em Pelotas-RS. Laranjal é a praia e o lazer da cidade. Fica na Lagoa dos Patos, banhada por água doce.
MAIS UM DIA – VITOR RAMIL é quase um co-autor do disco dos irmãos. Assina a autoria desta faixa e participa na interpretação vocal. Sua presença como compositor é marcante na densidade poética do Lp.
N – mais uma vez VITOR RAMIL. Agora é um brinquedo-ensaio com as sílabas da língua portuguesa. Inútil procurar um significado, o único sentido é a sonoridade. Extrapolando a brincadeira, foi utilizada, no registro das vozes, a técnica peruana de gravação da ZAMPOÑA – flauta vertical de difícil execução para gravações. Onde as melodias dos lados esquerdo e direito do estéreo somam-se para reproduzir a linha melódica completa.
PAMPA DE LUZ – Pery Souza é primo, antigo parceiro e um dos criadores do grupo musical ALMÔNDEGAS, junto com KLEITON & KLEDIR. Luiz de Miranda é poeta dos pampas gaúchos, com vários livros editados. Juntos, eles propõem este passeio pelos pampas iluminados.
PARA PEDRO – faz parte do catálogo interno das referências radiofônicas da infância de todos os gaúchos à beira dos 30 anos. A música fazia parte do repertório do último show e KLEITON & KLEDIR resolveram gravá-la quase como um registro ao vivo. Na primeira passada valeu. Sivuca é a participação especial no acordeão. A abertura fica por conta do gaiteiro cego da rodoviária de Pelotas.
MÓBILE – mais uma vez a vinheta. Com as mesmas sobras de fitas do disco, uma nova composição.
CHEIO DE VIDA – novamente em alto-mar, KLEITON dá um rumo ao navegante para fechar o disco. De náufrago ele passa a senhor do seu destino: “feliz de quem vence a mesmice da vida, revela o tesouro debaixo do sonho que todos trazemos escondido.” Este duplo convite para navegar não tem proa nem popa. Navega leste, oeste, norte e sul, e está sempre de frente. Como registro fonográfico, é um disco sem contracapa. 73. Digo, ABRAÇOS.
Texto de Maria Clara Jorge